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O elefante na sala do brasileiro

Como a Constituição engessa nosso desenvolvimento


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Quando foi promulgada em 1988, a Constituição brasileira foi celebrada como a carta da redemocratização. Quase quatro décadas depois, ela se tornou também um dos maiores entraves ao próprio desenvolvimento do país. Com mais de 250 artigos, a Constituição de 1988 é uma das mais extensas do mundo. Ela incorpora temas que, em democracias consolidadas, são tratados por leis ordinárias — e por isso mesmo podem ser adaptados de forma mais ágil às mudanças econômicas e sociais.

O resultado dessa “hiperconstitucionalização” é um Estado lento para se reformar e pouco responsivo às necessidades locais. Qualquer ajuste relevante na legislação trabalhista, tributária ou previdenciária exige uma emenda constitucional, aprovada por maioria qualificada de três quintos no Congresso. Em países como os Estados Unidos, reformas desse tipo podem ser feitas por maioria simples, já que sua Constituição contém apenas sete artigos e 27 emendas aprovadas ao longo de 237 anos de história. A complexidade brasileira cria um cenário em que mudanças essenciais levam anos — e frequentemente não saem do papel.

O problema não é apenas o tamanho do texto constitucional, mas também a sua excessiva centralização. Estados e municípios, embora tenham autonomia formal, não têm liberdade real para adaptar leis trabalhistas, tributos, legislação penal ou regras administrativas às suas economias e prioridades.

No campo tributário, a distância entre quem arrecada, quem decide e quem sofre as consequências das decisões é grande: a maior parte do poder está concentrada em Brasília. Quanto mais distante do cidadão estão as decisões sobre impostos, menor tende a ser a eficiência do gasto público. Essa distância também alimenta a política de repasses condicionados, que por sua vez sustenta um ciclo de clientelismo e barganha por verbas.

A rigidez constitucional se manifesta de forma particularmente clara nas vinculações orçamentárias. A Carta determina percentuais mínimos de aplicação de receitas em áreas como saúde e educação, mas sem vincular esse gasto à qualidade ou ao resultado. Isso cria um incentivo perverso: gestores cumprem “planilhas” para satisfazer a lei, mas não necessariamente melhoram o serviço. Um estado pode, por exemplo, construir novas escolas para cumprir o percentual exigido, enquanto os indicadores de aprendizado permanecem estagnados.

O excesso de detalhes também potencializa a judicialização da política. Como praticamente qualquer política pública pode ser questionada como inconstitucional, o Supremo Tribunal Federal tornou-se árbitro de decisões administrativas que, em outros países, seriam resolvidas na arena política ou em instâncias locais. Ao mesmo tempo, a estabilidade no serviço público, prevista no próprio texto constitucional, dificulta uma gestão baseada em desempenho, tornando complexo substituir servidores ineficientes.

A rigidez institucional é agravada pelo sistema político. O modelo de coeficiente eleitoral, aliado ao financiamento público de partidos, perpetua uma fragmentação sem paralelo no mundo democrático. Hoje, mais de vinte legendas têm assento no Congresso, tornando inviável a formação de coalizões coesas. Em países como a Alemanha, partidos precisam atingir ao menos 5% dos votos para entrar no Parlamento e recebem recursos públicos proporcionais à votação obtida. Além disso, boa parte do financiamento vem dos próprios filiados — o que incentiva partidos a manterem relevância junto ao eleitor. No Brasil, a lógica é inversa: partidos sobrevivem com recursos do fundo público, mesmo que representem nichos irrelevantes do eleitorado.

Ao prometer direitos sociais amplos — saúde, educação, assistência — sem prever fontes de financiamento sustentáveis, a Constituição criou um arcabouço jurídico que garante benefícios independentemente da capacidade fiscal. Isso leva a déficits crônicos e empurra governos para o endividamento, comprometendo investimentos de longo prazo. O engessamento, somado à instabilidade política derivada da fragmentação partidária, afasta investimentos, encarece o Brasil e dificulta a criação de ecossistemas inovadores, já que estados não podem adaptar regras de incentivo ou políticas de pesquisa e desenvolvimento.

A Constituição de 1988 foi um marco de proteção de direitos e de recuperação democrática. Mas, no esforço de blindar o país contra retrocessos autoritários, criamos uma estrutura rígida e centralizada, incapaz de responder com rapidez aos desafios contemporâneos. O Brasil precisa de uma nova constituição para o século XXI: capaz de preservar garantias fundamentais, aprimorar o sistema eleitoral, devolver flexibilidade à legislação e dar mais autonomia aos Estados e municípios. Sem isso, o elefante na sala — pesado, lento e difícil de mover — continuará ocupando o espaço onde o brasileiro poderia avançar.

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