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Moedas Digitais: Aliadas na Redução da Pobreza?

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A inflação é, muitas vezes, chamada de “o imposto dos pobres” — e com razão. Quando os preços sobem, todos sentem, mas as famílias mais carentes são impactadas de forma mais intensa.  Gastam a maior parte do orçamento em itens essenciais como alimentos, transporte e energia, cujo aumento nos valores é imediato e quase impossível de evitar. Em contraste às classes mais altas, que podem proteger parte do seu patrimônio investindo em ativos valorizados pela inflação, os mais pobres não têm essa rede de proteção: seu “cofre” é o dinheiro vivo, que se desvaloriza diariamente. 

Historicamente, governos recorrem à expansão monetária — imprimindo mais dinheiro ou elevando gastos sem contrapartida de produtividade — como uma solução de curto prazo para déficits fiscais, mesmo sabendo que isso corrói silenciosamente o poder de compra da população mais vulnerável. Essa prática transfere riqueza de quem tem menos para quem já detém ativos, criando um ciclo que sufoca as chances de ascensão social.

Quando a inflação se prolonga,  os bancos centrais reagem com juros mais altos, buscando estabilizar a economia. Na  prática, porém, isso  significa mais desemprego, crédito mais caro e restrito, e menos oportunidades de microempreender ou investir em educação e melhoria de vida para quem já enfrenta dificuldades.

Juros altos, além de encarecer financiamentos habitacionais, reduzem a capacidade das pequenas empresas — principais empregadoras de mão de obra de baixa qualificação — de se expandirem. Em países emergentes, como o Brasil, essa combinação cria um ambiente onde a economia patina, e os mais pobres pagam o preço duas vezes: primeiro com o aumento do custo de vida, depois com a retração das oportunidades econômicas.

As ZEPAs — Zonas de Erradicação de Pobreza Acelerada — também conhecidas como Cidade 5.0 ou Comunidade 5.0, são territórios urbanos planejados ou bairros específicos dentro de cidades existentes que recebem um grau especial de autorização para experimentar novos modelos de governança, regulamentação e gestão econômica. A lógica é simples: criar um “laboratório vivo” onde políticas públicas, tecnologias e mecanismos de mercado possam ser testados em escala reduzida, com o objetivo de encontrar soluções eficazes para acelerar a inclusão produtiva e reduzir o custo e o risco, tanto para o setor público quanto para o privado, de apoiar a população carente na jornada rumo à classe média.

Essas zonas podem ser o espaço para implementar reformas que, em escala nacional, enfrentam barreiras políticas ou estruturais. Entre as inovações possíveis, está a adoção de moedas digitais locais — ou sistemas monetários independentes do país anfitrião — como ferramenta para proteger os mais pobres contra ações irresponsáveis de governos centrais, como inflação descontrolada ou má gestão fiscal. Ao separar parcialmente a economia local da volatilidade macroeconômica nacional, uma ZEPA poderia assegurar estabilidade de salários, poupança e investimentos de pequenos empreendedores, preservando o valor real da renda e incentivando um ciclo virtuoso de crescimento sustentável.

Se a ZEPA adotasse uma moeda digital própria — que chamaremos de Koru — o  desenho precisaria equilibrar dois objetivos potencialmente conflitantes: (1) proteger o poder de compra dos trabalhadores contra políticas voltadas a tributos, juros e gastos  irresponsáveis do governo anfitrião e (2) manter a atratividade econômica para empresas operarem na região, evitando que custos salariais inviabilizem sua competitividade.

Um modelo possível seria lastrear a Koru em uma cesta de ativos estáveis — por exemplo, uma combinação de moedas fortes (USD, EUR, JPY) e commodities estratégicas — reduzindo a exposição à volatilidade da moeda nacional. O pagamento dos salários em Koru daria aos trabalhadores um “escudo” contra a inflação local, permitindo que convertessem sua renda de forma gradual, quando quisessem. Com contratos  inteligentes, a ZEPA poderia automatizar mecanismos de proteção e incentivo. Um dos mecanismos centrais para o funcionamento da Koru seria a adoção de um sistema de conversão escalonada, no qual parte do salário poderia ser automaticamente trocada pela moeda local apenas em momentos em que a taxa de câmbio fosse mais favorável, suavizando o impacto de choques cambiais sobre o trabalhador. 

Paralelamente, a Koru poderia ser indexada a um índice de inflação internacional ou a uma cesta de bens básicos, assegurando que seu poder de compra real fosse preservado independentemente das flutuações da economia doméstica. As empresas nessas regiões receberiam uma série de benefícios tributários para incentivá-las a participar do experimento. 

O grande desafio é dar tempo para o trabalhador poupar, investir em capacitação e se integrar ao mercado antes que fatores exógenos corroam sua renda. Empresas que operam com margens mais altas — como as âncoras de setores como tecnologia, farmacêutico e biotecnologia — tendem a absorver melhor o custo de uma moeda mais estável, especialmente quando integradas a cadeias de suprimento locais e com capacidade de exportação para países com moedas mais fortes. 

As moedas digitais on-chain, como a Koru proposta para as ZEPAs, têm o potencial de inaugurar um novo paradigma econômico e social, onde estabilidade, transparência e inclusão caminham juntas. Diferente do dinheiro tradicional, a Koru poderia incorporar mecanismos automáticos de proteção, como um seguro de inflação embutido e um estabilizador automatizado on-chain, ajustando a oferta ou lastro da moeda em tempo real para preservar o poder de compra. Além disso, trabalhadores e empreendedores poderiam acessar crédito colateralizado usando suas reservas, incentivando investimentos produtivos e reduzindo a dependência de sistemas bancários caros e excludentes.

O modelo também abre espaço para que todos participem do enriquecimento coletivo. Parte da emissão de Korus poderia estar vinculada ao sucesso da comunidade, distribuindo “dividendos” com base no crescimento econômico local. Isso criaria incentivos diretos para que moradores cuidassem da cidade, fossem mais colaborativos, receptivos aos turistas e zelassem pelo patrimônio coletivo. Ferramentas de reputação on-chain poderiam  valorizar bons comportamentos, facilitando contratações e concessão de crédito, enquanto estímulos como cashback para consumo local e mercados de trabalho gamificados tornariam a economia mais dinâmica e participativa.

Na governança, as moedas digitais on-chain permitem avanços que hoje parecem utópicos. Um orçamento participativo colocaria os cidadãos no centro das decisões de investimento público, enquanto impostos programáveis garantiriam arrecadação e repasse automáticos, reduzindo a corrupção. A auditoria em tempo real, acessível a todos, aumentaria a confiança de investidores e moradores, criando um ciclo virtuoso de credibilidade e atração de capital. Combinando tecnologia, incentivos corretos e um desenho econômico inteligente, a Koru não seria apenas uma moeda: seria a espinha dorsal de uma comunidade mais estável, próspera e engajada. Quer contribuir para essa discussão? Envie suas sugestões ou feedbacks para o autor no  LinkedIn ou X.  Você também pode seguir o canal da PRIME Society no WhatsApp.



 
 
 

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